quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Semiótica das Paixões

"A vida, essa busca de sentido." A. J. GREIMAS

Hoje resolvi falar sobre uma paixão que cultivo há cerca de cinco anos: a semiótica. Para os que já me conhecem, isso não é nenhuma novidade. Mas, para os mais desavisados, acredito ser interessante conhecer um pouco mais sobre essa teoria que vem ganhando espaço a cada dia.

Comecei o post com uma citação do Greimas. Ressalto que existem duas vertentes da semiótica: a semiótica peirceana, mais conhecida como semiótica da imagem (estudada, normalmente, nos cursos de marketing, propaganda, comunicação, etc.) e a semiótica greimasiana, mais voltada para o texto escrito (apesar de ambas poderem ser usadas tanto com o texto verbal quanto com o imagético, incluindo o gestual). Meu estudos se baseiam na semiótica greimasiana.

Não ficarei me detendo ao histórico das semióticas. Basta acrescentar que ambas partiram dos estudos de Saussure, mais conhecido como "pai" da Linguística Moderna, ao adentrar os caminhos do signo (podemos entender o signo, nesse sentido, como a palavra, o desenho, etc., de forma bem senso comum). Uma curiosidade: Greimas iniciou seus estudos semióticos através de uma receita de macarrão ao pesto (que, inclusive, fizemos).

Nesse sentido, a semiótica se trata de uma ciência que tem por objeto de investigação as significações produzidas por um texto (lembro que texto não é somente aquilo que está escrito, mas tudo aquilo que é dotado de signifcado num determinado contexto). Grosso modo, a semiótica busca entender como o que o texto faz para dizer o que diz. Quais os métodos, procedimentos utilizados pelo autor (conscientemente ou não) para produzir determinado significado. Greimas propõe um "percurso gerativo do sentido" para compreender como este se processa. Tal percurso compreende três níveis (os quais não me deterei): nível fundamental, no qual se encontram as oposições semânticas fundamentais; nível narrativo, no qual se tem o sujeito em busca de um objeto-valor (narratividade do texto) e o nível discursivo, que é a superfície do texto, seu plano de expressão, e no qual se encontram os temas e figuras que apontam para o nível semântico.

BENVENISTE (1976), um dos grandes estudiosos da teoria da enunciação, afirma: "é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de 'ego'" (p. 286).

Nessa mesma linha, Husserl trata da fenomenologia como ciência que explicita o sentido que a realidade do mundo objetivo tem para todos por meio da experiência, sentido que a filosofia pode recuperar, mas que não pode jamais modificar. Para MUSSALIN (2007), "a fenomenologia responde primeiramente à necessidade de descrever e de compreender a experiência vivida da verdade sem cair no psicologismo e no relativismo que isso implica. A primeira forma que ela adquire é a de uma fenomenologia pura da vivência do pensamento e do conhecimento." (p. 414)

Assim, a fenomenologia trata da intersubjetividade, explorando, com Merleau-Ponty, a percepção, como um "inventário" do mundo percebido. Para este filósofo, ainda, em toda sensação há um Ego que é transcendental, sujeito da experiência (subjetividade), pensando o "estar no mundo".

Greimas, em seus estudos mais recentes, iniciou o que é chamado de "SEMIÓTICA DAS PAIXÕES". Antes de adentrar esse terreno encantador, resumo as palavras de MUSSALIM, para a narratividade de um texto (a partir da página 422): o enunciado (chamaremos aqui de frase) se dá entre um sujeito e um objeto. Assim, a semiótica reconhece duas classes de modalidades: o ser e o fazer, ou seja, o sujeito que é e o sujeito que faz, por isso existem o  destinador e o destinatário. Por isso, desenvolveu-se mais quatro modalidades que se associam a essas duas: o querer, o dever, o poder e o saber. Explico, de forma extremamente simplista: quero dirigir numa velocidade superior a 120km/h numa rodovia. "Sou" um sujeito e "faço" algo. Então, eu quero fazer, eu sei como fazer, eu posso fazer, mas não devo. Dessa forma, um sujeito pode ser aquele que vai realizar essa ação ou pode ser manipulado por um outro sujeito a realizar ou não tal ação. Nesse sentido, todos somos manipulados (intencionalemente ou não) o tempo todo, e isso porque a linguagem compreende a interação-levar o outro a ter uma ação. Quando cumprimento alguém, exerço uma manipulação sobre essa pessoa que a leva ou a corresponder ou a ignorar meu cumprimento. Esse percurso manipulativo compreende o nível narrativo acima citado.

A partir disso, um sujeito pode entrar em estado de junção ou disjunção com o objeto. Se eu correr a mais de 120km/h, entrarei em conjunção(euforia) com meu objeto, que, aqui, é o meu desejo. Caso alguém me manipule a não realizar tal ação, entrarei em disjunção (disforia) com meu desejo. É através desse estudo das modalidades que se chega à observação dos diferentes estados do sujeito, conforme distinguem os valores investidos nos objetos. Assim, tem O ESTADO DAS COISAS E O ESTADO DE ALMA (MUSSALIM, p. 424).

Assim, as paixões passam a ser entendidas como um efeito de sentido de qualificações modais que atuam sobre o sujeito. Retomando Merleau-Ponty, a paixão opõe-se à ação como duas formas de o ser se manifestar, e afirma que a sensação provem da relação do corpo com o mundo objetivo. DESCARTES, no séc. XVII já se ocupava do tema das paixões. Para ele, as paixões da alma são a manifestação do pensamento, um reflexo do cogito a partir do qual ele busca a asserção da verdade. A alma, de acordo com o filósofo, cuja essência é o pensamento, pode ser pensada sem extensão.

A semiótica, dessa forma, estuda as paixões buscando compreender seus sentidos. Citando FIORIN... "A paixão é entendida, inicialmente, pela Semiótica, como efeitos de sentido de
qualificações modais que alteram o sujeito de estado, o que significa que é vista como uma modalidade do ser ou um arranjo delas, sejam elas compatíveis ou incompatíveis (GREIMAS, 1983, p. 225-46). Por exemplo, a infelicidade define-se como um querer ser aliado a um saber não poder ser, enquanto o alívio reúne um querer ser a um saber não poder não ser (BARROS, 1989-1990, p. 63). O infeliz é aquele que continua a querer, apesar de saber da impossibilidade evidente da conjunção, enquanto o aliviado deseja apenas aquilo que sabe que é inevitável."



Não me alongarei mais, visto que se trata de um assunto complexo. Indico bibliografias abaixo, para quem tiver maior interesse em conhecer a Semiótica das Paixões. Cito, também, as referências utilizadas no texto.



Ressalto apenas, que, como já disse no post anterior, não trato da paixão no sentido comumente conhecido. É algo muito mais amplo, como a semiótica vem a ratificar diante do já-dito de filósofos (que, por sinal, tratam da relação sujeito-mundo). A semiótica não analisa a psiqué, mas busca entender a paixão como o que impele o homem à ação e o que o eleva às grandes coisas.



Talvez eu poste, amanhã, uma poesia, já que TODO E QUALQUER TEXTO é passional.



Desculpem-me pelo texto extenso.







1. Referências bibliográficas


BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral. São Paulo: EDUSP, 1976.



FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação. São Paulo: Ática, 1996.



GREIMAS, A. J. Semântica Estrural. São Paulo: Cultrix, 1973.



MUSSALIM, F. B. Introdução à Linguística. Vol. 3. São Paulo: Cortez, 2007.





2. Bibliografia indicada






GREIMAS, A. J. & FONTANILLE, J. Semiótica das paixões. Dos estados de coisas aos estados de almas. São Paulo: Ática, 1993.



BARROS, D. L. P. Teoria do discurso. Fundamentos semióticos. São Paulo: Atual, 1988.





*ps.: pena não se poder agradar a gregos e troianos. A utilidade de algo é relativa e subjetiva. Quem tiver interesse na semiótica e quiser mais materiais, é só me pedir.




2 comentários:

  1. Aliás, Tio Miggli disse com nosso dez, que não se discute Semiótica com a gente! ^^

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  2. Rafaela, não abandone seu blog. Tive uma aula na USP muito interessante sobre semiótica das paixões. Realmente é um tema fascinante. visite-me pingodeprosa.com

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