sábado, 13 de novembro de 2010

Ser professor é mais do que lecionar...


Essa semana, um aluno de, aproximadamente, cinquenta e dois anos, perguntou-me se eu achava que valia a pena ele tentar terminar os estudos depois de tantos anos fora da escola. Eu rebati a pergunta: “o que o senhor acha?” Seus olhos marejaram e, singelamente, respondeu-me: “estou cansado. Não acho que vou conseguir”. Por um instante, observei suas feições: traços que denotam muita experiência, muita coisa vivida, muito sofrimento. Suas mãos calejadas com unhas sujas de graxa me mostraram que seu trabalho era árduo (assim como o de todos da indústria que ali estavam em busca do diploma de Ensino Médio). Respondi: “o senhor trabalha aqui há tantos anos e mesmo cansado continua lutando. Tenho certeza de que o senhor já passou por muitas dificuldades e conseguiu superá-las. Por que agora seria diferente?” Ele me olhou, ficou pensativo e retornou: “você sempre deve ter estudado e talvez não entenda o que é ficar tanto sem estudar.” Essa afirmação me doeu. “O senhor tem razão. Mas eu sou professora porque quero ajudar quem está desanimado com os estudos, como o senhor. E se eu não conseguir fazer isso, então vou deixar de dar aula.” O homem pareceu assustado. Continuei: “Realmente sempre estudei, mas meu pai não. Ele tem a idade do senhor e nem terminou o primário. Para o senhor, só falta o Ensino Médio. E meus pais sempre fizeram de tudo para que eu estudasse e me disseram uma coisa que faço meu objetivo de vida: ninguém pode tirar da gente o conhecimento. Podem tirar o dinheiro, os bens, até o nome, mas não o conhecimento.” Senti-me um pouco envergonhada, pensando ter sido rude com o senhor. Mas eis que ele sorri e concorda comigo, afirmando que eu tinha razão.

A questão aqui é: escolhi essa profissão por ainda acreditar numa possível mudança através da Educação, não do ensino mecanizado. Minhas turmas de EJA trabalham com serviço braçal, numa indústria metalúrgica. Vou até a empresa dar aula quase todos os dias. Percebo as dificuldades de quem teve de parar os estudos por diversos motivos. Ali, vejo sonhos, esperanças e medo. Cada história de vida me comove e se torna um aprendizado. Nunca me senti tão humana quanto tenho sentido, agora. Meu pai sempre me disse que ouvir sobre as histórias das pessoas é a melhor metodologia de aprendizado. Acho que ele tem razão. Parei pra pensar o quanto as diferenças sociais influenciam nos comportamentos humanos (eu já sabia disso, mas ver, na prática, é bem diferente). Na minha experiência em sala, lidei com todos os tipos de público, mas os três últimos tem sido meus mestres. Ano passado, dava aula no CAIC e trabalhei com crianças que mal podiam sair de casa juradas de morte por traficantes. Peguei piolho na primeira semana de aula. Desmaiei em sala ao ver um aluno se mutilando com estilete. Chorei ao ouvir uma aluna de dez anos contar que se prostituía e ao ver um aluno roubar salgadinhos pra poder comer no fim de semana, em casa. Esse ano, a experiência com jovens e adultos trabalhadores está sendo tão gratificante quanto o trabalho com as crianças. Observar os rostos cheios de expectativas me motiva a continuar nessa empreitada e acreditar que, do meu jeito, eu posso mudar o mundo.

A psicologia contemporânea acredita no pressuposto de que cada ser humano é um universo. Nada mais explicável. Cada pessoa é uma caixinha de lições de vida e eu espero sempre poder aprender com suas experiências.

Um comentário:

  1. Nossa que legal!!! Muito lindo este trabalho de doar seu conhecimento com o próximo!!

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